segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Eu conheço o meu lugar!
No ultimo sábado - em um golpe de sorte consegui ingressos para assistir ao espetáculo em que Gero Camilo canta Belchior.
Quando eu saí do Ceará para morar no Rio eu me tornei mais cearense e tenho como guia a passagem bíblica: "Onde estiverem dois ou três cearenses reunidos já levanto a igreja e o Ceará estará no meio deles”.
Logo, não poderia perder a oportunidade de ouvir Belchior com o sotaque cearense de Gero!
Talvez alguém que tenha estudado com mais apreço as teorias antropológicas consiga racionalizar esse processo e explicar para vocês. Eu realmente não saberia como descrever o que é ter amor por um lugar, ter loucura por uma recordação. Porque falar disso já é um pouco como me distanciar disso em mais um pedaço .
No Rio, eu era a única nordestina da turma. Eu bebi pela primeira vez sopa de ervilha e creme de espinafre. Eu senti frio que entra pela roupa. Eu fui no samba dos pretos. E sonhava repetidamente que tinha encontrado um armador de rede na garagem do prédio. Era como aqueles sonhos que mostram o lugar da butija de ouro enterrada. Um arrependimento: Nunca fui na garagem procurar o armador.
Quando mudei para Brasilia, eu pensei: "aqui vou me sentir em casa! É todo mundo retirante..."
E perguntava para qualquer pessoa que conversasse comigo por mais de 5 minutos: "de onde você é?"
Minha ansiedade em encontrar os desconcertados-pero-já-adaptados-emigrantes foi dando lugar à um desapontamento quando eu entendi que a minha geração naquele lugar já era nascida lá. E aprendi que os brasilienses são também: ceilandenses, planaltinenses etc.
Finalmente, São Paulo. A urbs.
E aqui - de novo - eu passo pelo choque de ser estrangeira nas terras dozoutros.
Se engana quem pensa que eu vou falar da ausência de mar, da velocidade e da quantidade de carros-pessoas...
O que torna mais alucinante a vida em SP é ter que suportar no dia-a-dia a ficção construída em torno do nordeste.
Qualquer exemplo de falta, de pobreza, de sofrimento é resumido pelos paulistas em uma unica ideia com duas palavras:
"No nordeste...".
As pessoas substituem como regra o "era uma vez" das histórias por:
"No nordeste."
Foi assim, quando discutiam sobre os efeitos da "Operação a Carne é Fraca".
E alguém soltou: "naqueles açougues lá No nordeste.... "
Outro dia falávamos na aula sobre formação da sociedade brasileira e aquele monte de homem branco de sobrenome cheio de consoante começou a discutir se eram descendentes de portugueses ou de italianos - discussão que para mim não faz sentido algum.
Falei alto para que me escutassem - e alguém deve ter lembrado que No nordeste as pessoas fala alto -: "não sei vocês, mas eu sou descendente de indios e indias..."
Eles me olharam e alguém falou:
"No nordeste..."
Essa terra não é para nós.
É um delírio de pessoas que dizem ter descendência de alé'mar, em uma cidade que não tem mar.
Um dia eu ainda aprendo a gritar igual Belchior:
"Não! Você não me impediu de ser feliz!
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem: Conheço o meu lugar!"

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

10 coisas sobre o último ano dos 32 e uma mentira:
-Uma cidade nova.
-Ter foto sem sorrir.
-A coragem da montanha. 
-Estudar contabilidade social, taxas de juros e política fiscal.
-Fazer terapia.
-Ler poesia feita por mulheres.
-O México.
-Voltar para as aulas de inglês - "É O Ciclo Sem Fim / Que nos guiará / a dor e a emoção..."
-O método túfo das experiências.
-Amansar os dias, reduzir os riscos. Ou, tudo que envolva não querer tragar o mundo com uma enorme língua de fogo.  [a grande mentira, o conselho eterno dos tarôs]
A-ca-bar.
O A-ca-ba-do.

Sou boa em por fim às coisas,
mas sou péssima em termina-las.

E tem uma outra coisa que faço pior,
ou melhor
me perder entre o fim e o novo começo.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

A economia é aquela ciência de exatas que se reputa às de humanas.
No zoodíaco seria capricórnio com ascendente em leão, racional e impulsiva em contra-medida.
Na mitologia seria um deus temperamental e severo.

Desde os cenários de queda ou de expansão os motores das relações econômicas capitalistas não são propriamente números, cálculos, déficits ou índices de 6 dígitos iniciados em zero seguidos de vírgula e terminados em zero alcançados através de fórmulas incompreensíveis.
Mas, são sim, as expectativas.

A tendência à confirmação da possibilidade de realização para seus investimentos é o que instrui Joesley, Elisa da cantina, a menina de treze anos e eu.

O capitalista decide investir seu capital pela sua expectativa de lucro, o trabalhador gasta seu salário pela expectativa de sobrevivência, a classe média gasta suas economias com a expectativa de ascensão social, a menina de treze anos gasta horas do dia pensando nos dias à frente, eu gasto meu salário,
minhas horas,
meu pacote de internet
e
meu sol em leão pensando
em você.

Os códigos que orientam nossa ação resumem toda uma vida escanchada na lida com as expectativas que estão agora mesmo
em pé
aqui
na nossa sala enquanto escrevo, leio e tento
não pensar em você.

Passou uma tempestade por aqui e talvez você nem tenha notado, mas nas paredes pode vê a marca da água que inundou os cômodos. Inclusive, alguma parte do alicerce cedeu e deveríamos realmente estar preocupados com isso, porque isso parece uma coisa preocupante.
Apesar de não fazer sentido algum pensar em alicerces, já que falamos de expectativas.

Me diga qual das suas expectativas tem fundação e foi feito nivelamento no terreno?
Te respondo que nenhuma.
Qual resistiria a terremotos e enxurradas como as que vimos aqui esses dias?
Te respondo que todas.
Já te falei que elas estão
aqui
de pé
agora mesmo.

Os seus alicerces são pendentes e vagos.
E são sofisticados como os das construções incas preparadas para resistir,
são feitas de fôlego.

Mesmo a não realização da expectativa não põe a ela fim,
porque ela persiste
em pé
aqui na sala.
Dizendo como deveria ser.
E dura nos dias como frustração, como injustiça, como mau olhado, como inferno astral, como dor.

A expectativa em pé diante de mim nessa sala me rende.
Entrega minha devoção à juventude descompromissada, o apego à passionalidade, a afeição pela conquista e pelo conquistador
é tudo o que sou
sendo substância para ela.

Olha-la daqui a torna estúpida. Sobretudo, sobre a estupidez são feitos os alicerces das expetativas.
Mas, a cousa, o ente, o ato perjura existência
e se mantém aqui
em pé
no meio da nossa sala.




segunda-feira, 3 de julho de 2017

Corrigir a posttura, escovar os dentes, usar vestidos coloridos. Hábitos adquiridos.

Repetiram-me tantas vezes e por tantos dias seguidos uma ideia
que,
Hoje, eu não sei mais como eram os dias nos quais isso não fazia sentido:
Você deve reler o texto.

O mesmo já lido. relido. grifado. comentado.
Você deve reler o texto.
E reli o texto tantas vezes quantos foram os dias do ano.
Hábito adquirido.
E reli também anos depois.
Quando fui tomada pela surpresa da condição transitória do conhecimento.
Minha estante parece um calabouço abarrotado de novas memorias para serem esquecidas em seguida.

Quando, então, novamente me surpreenderei em uma nova casa,
com um filho fluente em português
com títulos emoldurados
com um amor que se misture comigo enquanto leio mais uma vez um texto já relido.



quarta-feira, 28 de junho de 2017




Certa vez ouvi um homem que falava da história do seu país que havia sido arrebatado e dividido ao meio após a independência da região central. Sobre os compatriotas, o mesmo céu os cobria e a terra ligava seus pés.

Há um pequeno mapa no qual ocupamos a mesma cidade. A arquitetura é delirante. Há também um pequeno muro trêmulo. Você é um pequeno terremoto de proporções sísmicas insensíveis, mas que desloca a terra em forma de tempestade de areia.  Pontes e quartos desabam. Formou-se um pequeno deserto no dia que você não chegou para almoçar. Iniciou-se meu êxodo.

"É uma cidade igual a um sonho. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa." - trecho do Calvino




segunda-feira, 15 de maio de 2017

Marítimo martírio.

Não criem seus filhos perto do mar.
Não os levem tão jovens para ver o mar. Eles devem lembrar a primeira vez que viram uma onda arrebentar.
Não deixe que aprendam a operar as tabuas das marés e muito menos que tratem com familiaridade a ressaca anual que tudo viola e arrasta.
Ou, quando todos que nasceram longe do mar falarem do seu espanto e encantamento, vamos parecer inoportunos e descorteses.

Não deixe também que cresçam perto do mar.
Ou, acharão que parte do mar os segue pelo mundo a fora e embriagarão lá as suas referências de orientação espacial e pontos cardeais.
Sofrerão com miragens em dias azuis, cinzas, verdes e, sobretudo, durante as noites.
Por completa estupidez geográfica quando os que cresceram longe do mar forem profundos, nos entranharemos como que em uma invasão bárbara ao centro do contrário.

Arrefeça perto do mar. afogado. cercado. molhado.
Em onda. Vá e volte, indo novamente.
Respire como os embargados. os amontoados.
Em ressaca. vá e volte, atroz. enorme.




segunda-feira, 13 de março de 2017


.é dia de mesóclase.
"Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração. [...]"

É do Drummond, mas é sobre o que sonho. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Todo aquilo tem um pouco de qualquer outra coisa.