segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Carlos Drummond de Andrade

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu comentário se torna supérfluo pela complexidade e auto-suficiencia do texto.
Espetacularmente suficiente em sí proprio, essa (mais uma) obra prima de Drummond em várias de suas passagens me fazem lembrar a mim, em mim, a outros e noutros.
Desses outros penso noutro, não um outro qualquer, mas uma Outra ímpar que me faz pensar se não temos um outro de nós em alguém. Mesmo que não tenha, ah isso ecoa tão bem em mim!

e agora repito a vc e pra vc o Espetacular e, mas graças a vida, não o suficiente em si mesma, deixando assim a chance de se chegar perto.

xeru aos montes [daqueles que enchem o pulmão todim]

[não sou muito bom nessas abstrações, mas A fonte da inspiração, vale a pena correr o risco]

"quem fui?"
:P

Teresa Maia disse...

Eu sempre tive uma teoria acerca de Drummond. Ele não faz poesia. Ele pensa, escreve, fala e saí poesia. É como se ele tivesse um pó de pi.rim.pim.pim. que se espalha nos outros quando ele faz. Não há preocução estetica, preocupação com a rima. Há preocupação em sentir sinceramente. E sai poesia. Tenho amigos que também fazem poesia sem cuidar muito dos aspectos normativos da coisa. Eles olham e sai poesia. Alma proxima a de Drummond a desses.

Obrigada à esses encantadores do meu cotidiano.